FLOR BELA, RAÍZES E RAMOS
Vila Viçosa, final do ano de 1894, noite de sete para oito de Dezembro.
Antónia da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao encontro das alegrias da família. Não há assim lugar ao habitual regozijo de tais momentos. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É baptizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será chamada Florbela Espanca. Apelido que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor. Curiosamente, o padre que a baptiza e a madrinha usam o mesmo apelido.
A mãe morre algum tempo depois.
Tem infância sem falta de carinhos e a sua subsistência não será ensombrada por insuficiências que atingem muitas das crianças que nascem em circunstâncias semelhantes.
O pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez anos, em poema de parabéns de aniversário ao "querido papá da sua alma" escreve que a "mamã" cuida dela e do mano "mas se tu morreres/ somos três desgraçados" .
Será acarinhada pelas duas madrastas, como revelará na sua própria correspondência.
Ingressa no liceu de Évora.
Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a cabeça dos colegas.
Inicialmente sem dificuldades económicas, como deixa perceber. Explicadora, trabalhará ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte dois anos, irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.
Edita os seus primeiros livros, Livro de mágoas em 1919, e em 1923 Livro de Soror Saudade.
Refere o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns poemas. Mas a sua escrita situar-se-á sobretudo no campo da paixão humana.
AS FACES DUMA PERSONALIDADE
Como dizem vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Inserida no seu mundo pequeno burguês, como evidencia nos vários retratos que de si faz ao longo dos seus escritos.
Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Diz-se conservadora.
Uma quase inventariação das suas diferentes personalidades desenha-se nas palavras de um dos seus contos, a que deu o titulo À margem de um soneto que integra o volume intitulado O Dominó Preto.
Quem, ao ler a sua obra poética, a sua prosa, as suas cartas, os seus outros escritos, não a vê usar um milhar de vezes para si própria, termos semelhantes, ultrapassando até tais qualificativos e exageros?
Quem é realmente Florbela?
Ninguém é definível numa só dimensão, num só conjunto de qualidades. Todo o ser é uma intersecção de adjectivações diferentes e até opostas.
O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos.
Na sua escrita há um certo numero de palavras em que insiste incessantemente. Antes de mais, o EU, presente, dir-se-á, em quase todas as peças poéticas. Largamente repetidos vocábulos reflexos da paixão: alma, amor, saudade, beijos, versos, poeta, e vários outros, e os que deles derivam.
Escritos de âmbito para além dos que caracterizam essa paixão não são abundantes, particularmente na obra poética. Salvo no que se refere ao seu Alentejo.
Florbela, poetisa, não pode ser separada da sua condição de mulher, das suas paixões, da sua maneira de ser, da sua vida, das suas contradições, humildade e orgulho, preconceitos, sua presença e ausência, seus amores e desamores.
Poucos dias antes de morrer interroga-se "que importa o que está para além?" Responde, repetindo o que diz no soneto A um moribundo: seja o que for será melhor que o mundo e que a vida.
A morte anunciada ao longo da sua escrita ocorrerá pouco depois. Põe fim à vida em 8 de Dezembro de 1930, dia em que faz trinta e seis anos, em Matosinhos, onde vive. Aí é enterrada sendo mais tarde trasladada para a sua terra natal.
(Rolando Galvão)
Sem comentários:
Enviar um comentário